terça-feira, 30 de dezembro de 2008

FINAIS

Poema de Gilberto Wallace Battilana


Mais uma vez chegamos ao fim
e não te abandono
nem te separas de mim
Quantos fins serão necessários, afinal
para chegarmos ao final?
Tu permaneces, eu não parto
e ficamos, os dois, solitários
na solidão maior do quarto.
Dunas de lençol nos separam.
A cama é mais que um deserto
quando nela desperto.
Tão perto estás, e intocável
tão longe, e inafastável.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

SONETO BAUDELAIREANO

Gilberto Wallace Battilana

Busco o signo, o símbolo, o sinal do destino
que identifique a quem me lê o que assino
no texto, no trecho, no traço mais fino
noturno corte do punhal de um assassino

que escrevesse um taciturno tratado de anatomia
numa linguagem rítmica, obscura e fria
entre cintilantes círios e angustiante agonia
frente aos ameaçadores dentes da serpente da poesia

zombaria com que me cubro nas madrugadas inclementes
em que azíagas as horas se arrastam lentamente
e me esqueço da vida nesta paixão fremente

tal tivesse entre as mãos o corpo de uma mulher
não um papel onde anoto imagens e idéias quaisquer
E tu, leitor, meu semelhante, tem piedade deste miserere, meu mister

UM ATO FINAL

Poema de Gilberto Wallace Battilana

Ela exigia tanto de todos
como se pensasse que o mundo existisse só para ela
surpreendentemente solicitando tão pouco de si mesma.
Acreditava que se gritasse com suficiente energia
nada lhe seria negado. Alguém, o que pedisse, lhe traria.
Sentindo-se o centro do seu mundo
acordava, reclamando o café da manhã, aos gritos
e a mãe, nem tão velha, azafamava-se em servi-la
trazendo-lhe o café, o pão, o leite, o bacon e os ovos fritos.
Atravessava a sua vida de olhos abertos, fitando um sul de sonho
incapaz de ser sensata e calma, nem confiar em si mesma
e nos outros, na sua audácia de arriscar o máximo
desejava que a cada fracasso o mundo tombasse com ela.
Adivinhava que a cada novo dia já não era quem fora
que o tempo a traía. O amor, para ela, era uma idéia fria
seu sonho, o sucesso, não importando qual
o que ela queria era ser a tal.
Seu rosto enrijecido e belo, digno de uma escultura
em mármore vítreo, real máscara de uma alma escura
sorria a cada possível amante em que ela visse o brilhante
futuro que queria. Namorados, quantos, perdidos
e achados no seu amoroso jogo de dados pulsantes
sentimentos à sorte lançados, até de alguém ouvir:
Perdeste.
Tardia descoberta da inabilidade de suportar sua existência.
As expectativas enjauladas, feras ainda despertas
mas feridas entre as ruínas da sua vida
optou pelo ato final: o da suicida.

A citação do dia

"Há tanta poesia, e, no entanto, nada é mais raro que um poema"
Schlegel

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

LEMBRANÇA

poema de Gilberto Wallace Battilana

E amamos, amamos, amamos
no calor das areias do verão
ou no avermelhado inverno,
se é que amar é isto:
o roçagar de carnes
no consentimento dos corpos,
a cada ensejo o ensaio de um beijo.
As ondas lavando troncos insubmersos
ao entardecer que cercava o nosso regresso
ou a tarola suave da chuva na janela
a desenhar corolas singelas na vidraça
por onde víamos a cansada estação ancorar
sentados no sofá contra o fogo aceso
sentindo no coração o doce peso
aumentar a cada instante de descoberta
e, pela porta aberta, deslizantes as horas
fugiam, afogando-se nas poças
do pátio escuro e deserto, onde maduros
frutos aclarados por relâmpagos,
pareciam estranhos pássaros presos
nas gotejantes gaiolas das árvores,
ou o sopro do sudeste quente sufocando
a manhã embalsamada em seus trapos de luz.
Caminhávamos na multidão da areia,
aqui e ali uma flor caída, mas ainda desperta,
um peixe ofegante num raso túmulo d´água,
e erradias cigarras de asas molhadas,
ou por entre frias estrelas e ervas dobradas.
Adivinhávamos mais um verão
numa lembrança, até que viesse outro.

Citação do dia

Para vocês que admiram no escritor a ausência das faculdades descritivas ou instrutivas, destaco estas folhas do meu diário.
Arthur Rimbaud

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Citação do dia

"Os três monoteísmos animados por uma mesma pulsão de morte genealógica, partilham de uma série de desprezos idênticos: ódio à razão e à inteligência, ódio à liberdade; ódio a todos os livros em nome de um único; ódio à vida; ódio à sexualidade, às mulheres e ao prazer; ódio ao feminino; ódio ao corpo, aos desejos, às pulsões. Em vez e no lugar de tudo isso, judaísmo, cristianismo e islamismo, defendem: a fé e a crença, a obediência e a submissão, o gosto pela morte e a paixão pelo além, o anjo assexuado e a castidade, a virgindade e a fidelidade monogâmica, a esposa e a mãe, a alma e o espírito. Equivale a dizer: a vida crucificada e o nada celebrado".
Michel Onfray

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O POEMA INCONCLUSO

Se soubesses quão difícil
é escrever um poema.
Ficar horas à espreita
do verso que salva.
E, não vindo o verso
ir para a cama
com o poema inconcluso
como uma pedra na cabeça
esperando que no sono aconteça.




A citação do dia
"Não existe argumento com o qual possamos defender um poema. Ele se defende ao sobreviver ou é indefensável"
George Orwell


quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

POEMA ADVERBIAL


Gilberto Wallace Battilana

Um poema não tem agora,
antes, depois, enquanto.
Um poema não tem dentro, fora.
Um poema é encanto.
Não tem demais, pouco, tanto,
nem quando, porque, onde.
Um poema é um segredo que não se esconde,
é um surto, um transe, um quebranto,
não tem tampouco, talvez,
o poema é o que é, outra vez,
um sonho real, um deserto, decerto,
é um longe tão perto,
um possível triste, quiçá alegre, porventura
uma viagem de pura aventura.
Um poema não é um bem,nem um mal,
é um assim, sem nunca ter fim.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Advertências aos candidatos a escritor ou quase sempre é outra coisa

Gilberto Wallace Battilana

Se você é um(a) dos(as) que sustentam a exaltada esperança de vir a ombrear com um Érico Veríssimo, uma Clarice Lispector, um Jorge Luís Borges, uma Virgínia Woolf, um Saul Bellow, uma Simone de Beauvoir, um Gabriel Garcia Marques, uma Marguerite Yourcenar, um Lawrence Durrel, uma Susan Sontag, escolha conforme as suas preferências literárias, quem sabe, um Mário Quintana, uma Cecília Meireles, um T.S. Elliot, uma Sílvia Plath, um Jacques Prévert, uma Florbela Espanca, um Fernando Pessoa ou Rainer Maria Rilke, pense antes se não está confundindo a sua paixão pela Literatura com a de ver a sua fotografia em jornais e revistas. Não veja na vontade de aparecer a paixão por escrever. Pense na solidão de Kafka, na loucura de Lima Barreto, e resista o mais que puder antes de colocar-se frente a uma folha de papel ou à tela do computador para imprimir os seus sentimentos, as suas idéias, a sua insatisfação com a vida ou o seu prazer de viver, o fora que levou da(o) namorada(o), as despesas com a(o) amante. Literatura pode ser tudo isso, mas quase sempre é outra coisa. Se for insopitável a sua ânsia por escrever, escreva. Mas só se não puder fazer algo mais produtivo ou prazeroso como jogar na bolsa ou no bingo, comer pizza, encher a cara nos bares da Goethe ou da Lima e Silva ou assistir televisão - que, conforme afirmava Marx, o Groucho, é algo muito educativo; a cada vez que vejo ligarem uma, saio da sala, e vou ler um livro.
Se escrever, leia o que escreveu. Se achar bom, que é o que quase sempre acontece, ofereça para alguém ler. Dê preferência a um(a) amigo(a) sincero(a). Além de sincero(a) ele(a) deve ter lido pelo menos uns dez livros durante a vida. É quase certo que você deixará de ser amigo dele(a) depois de ouvir a crítica a respeito de seu texto. Se ele(a) disser que é ruim, não se convença, mostre a outros. Se não encontrar ninguém que lhe dê um sorriso de simpatia ou uma palavra de incentivo, desista. Faça como Getulio Vargas com o seu romance “O Revolucionário”, rasgou-o em respeito à literatura. Se imitar Vargas, quem sabe você acabe Presidente. O Lula que não escreveu nada, conseguiu, por que você não? Se bem que outro, que escreveu uma porção de livros e..., mas deixa pra lá, esse não é o nosso assunto.
Voltando ao seu texto, se lhe disserem bom, leve-o a uma editora. É quase certo que não será publicado, a menos que você pague a edição. Mas o tempo que ficar o texto com o editor lhe permitirá refletir e você quer mesmo publicar o que escreveu, se a literatura é mesmo a sua vocação, o seu destino. Lembre-se que muitos são os chamados, poucos os aceitos. Passado o tempo, dois meses ou dois anos, dependendo da capacidade da sua paciência, e não lhe devolvendo os originais o editor, que é o que quase sempre acontece, a menos que você o ameace com um processo por apropriação indébita, pegue uma das cópias que você deve ter guardado e releia o que escreveu. Se ainda achar publicável, leve-o a um crítico. Não digo que seja fácil. Os críticos, quase sempre professores universitários, são refratários à originais de escritores desconhecidos. Se o crítico lhe disser que é razoável, que bom jamais dizem ser, vá em frente. Pague a edição, prepare os vinhos e os queijos – assim via mais gente – que lançamento de livro nesse nosso meridiano – faz parte da nossa estética do frio, deve ser lançado no outono ou no inverno. Não esqueça de levar exemplares para os resenhistas dos jornais, exemplares sem dedicatória, é claro. Quem sabe, assim, você aumenta a fila que espera para a sua noite de autógrafos. Quase sempre não aumenta. Não publicarão uma linha a respeito do seu livro, mas você terá se livrado de uns cinqüenta exemplares. Quase sempre lhe será negada a oportunidade para mostrar o seu livro e convidar o público, ainda assim tente ser entrevistado(a) em programas de rádios e televisões. Depois de todo o esforço para lançar o seu livro, finda a sua noite de autógrafo, os seus quinze minutos de fama, a sua entrada na literatura, considere-se um escritor e vá dormir reconfortado pelos confetes da glória, sem esquecer de reservar um espaço no seu apartamento para guardar os exemplares encalhados da edição do seu livro.

sábado, 13 de dezembro de 2008

UM AUTOR DESCONHECIDO

Conto de Gilberto Wallace Battilana


Deveria ter respondido à tua carta há mais tempo, mas há uma guerra em curso e, não bastasse essa, sustento as minhas com a página em branco de cada dia e com o desespero da minha vida.
Como sabes, desde a ardente manhã em que Beatriz morreu, depois de uma tormentosa agonia que não cedeu um só instante nem ao sentimentalismo nem ao medo, resolvi me afastar, não para consagrar-me à sua memória como afirmaram alguns, mas por me sentir perdido, perplexo, diante de um mundo cada vez mais desconcertante. Ela era o meu traço de união com a vida, o sustentáculo do meu enfrentamento com os outros. Sua morte me lançou nas trevas; é como um cego que vivo agora. Sigo, sem dúvida, escrevendo. Que outra sorte me resta? O êxtase de escrever não se mede pelas virtudes ou fraquezas da escritura. Toda obra humana é perecível, afirma Carlyle, mas sua execução não o é.
As tardes que vão ser e as que terão sido são uma só, e eu me abismo na perplexidade, acompanhando até o horizonte que aqui é distante, os patos compondo os seus desenhados vôos fugindo do inverno que nos vergasta. Saberão eles da guerra que o mundo enfrenta?
A triste mitologia destas tardes arruinadas conduzem os meus passos por essa vida imóvel, feita de memória, à beira do tempo, em que luto com os meus tigres de papel contemplando um rosto que não existe mais e esquinas rosadas por crepúsculos inesquecíveis. E nas ruínas circulares do meu pensamento livros invisíveis esperam para ser escritos. O mundo conhecido por todos está diante de mim e o meu universo de lembranças torna-se insuficiente para sustentar os meus dias. Meus símbolos, minhas sombras, meus abismos, sempre significaram outra coisa que agora já não me diz mais nada, estou velho e farto de escrevê-los em papéis que se deformam e apagam no vento do esquecimento como o sonho de uma pálida cinza vaga que voa por onde ninguém sabe quem é. Identidade ou mito de um escritor em busca de parágrafos futuros por entre brumas de sonhos e lembranças que se esfumam em palavras. O mais antigo dos textos e esta carta escritos por essa mão mortal que se renova e dá realidade ao delírio humano que somos numa sucessão de momentos ilusórios que nós – escritores – escrevemos com o temor de que nossas palavras alcancem um significado que nos foge.
Foi numa dessas tardes que me chegou, como uma boa nova tua, mais um conto deste autor que descobriste para o meu encantamento. Neste conto faz ele menção ao Zahir, moeda aziaga. Já havia lido a respeito do Zahir numa das cartas do célebre Cavaleiro de Oliveira – cujo livro que as enfeixa foi publicado com prefácio de Aquilino Ribeiro, numa edição da Livraria Sá da Costa, mais precisamente na carta a Madame de Klembach, datada de 05 de outubro de 1737, onde identificava o Zahir como um baralho de cartas, de origem cigana ou bizantina , para prever o futuro. Comenta o Cavaleiro que Commenus o usava para antecipar as batalhas de que sairia vencedor.
Concordo que é uma lástima ser o nosso escritor desconhecido em nosso país. Não o será por muito tempo. Pertence como afirmas, por um lado, à vertente da linhagem dos narradores fantásticos, de um Poe, um Quiroga, mas acrescentando à ficção o ensaio filosófico, de tal forma que poderá o leitor apressado confundir a precisão e o requinte do seu discurso apurado com excentricidade; de outro lado me atrevo a apontá-lo como epígono de um Erasmo, de um Cervantes, de um Swfit. Alie-se a isso uma visão do mundo nos termos de um joogo intelectual que soterra, por vezes, o seu assunto sob um magma avassalante de erudição polimática, que ameaça desandar em compilações enciclopédicas e aí teremos o nosso Autor. Para classificá-lo, consultei uns escritos hieroglíficos encontrados por Sir Donkey Brown-Smith numa das pirâmides construídas em degraus nas escarpas da região montanhosa de Kaminaljuiú que juntamente com Utatlán e Ichimxé formavam o estado Quiche Maia. Cercavam essas pirâmides uma Praça de Cerimônia onde era abrigado o símbolo do Calendário Cíclico, um ciclo ritual de 52 anos que combinava o calendário solar com outro pelo qual datas absolutas eram calculadas a partir do zero que correspondia a 3113 anos da nossa era. Nessa obra é mencionado que os escritores se dividem em 666 categorias:
1. Os néscios porfiados cujo maior mal é serem presumidos;
2. Os pedantes formalistas, retóricos e pomposos;
3. Os que invocam razões para para que os seus trabalhos sejam aceitos e admirados;
4. Os superficiais e desleixados;
5. Os para os quais qualquer das partes não é de menor importância que o todo;
6. Os que escrevem à maneira de...
7. Fico por aqui. É cansativa a enumeração e não sei em qual enquadrá-lo.
Durante a pausa, após o parágrafo anterior, dei-me conta de que o espelho da sala me observa enquanto escrevo nessa velha casa escolhida como refúgio e que pertenceu aos meus avós. Eu os imagino, seus passos repercutindo nos antigos assoalhos entre essas paredes altas, nessa casa onde ecoa todo um passado que não me pertence e o invento, fazendo da minha ficção fuga. Nessa casa que é, para mim, um daqueles pontos do espaço que contém todos os pontos, e onde me refugiei para esquecer. O que é escrever senão esquecer, esquecer-se, através da ficção?
Todas as manhãs me encontro com o desespero diante dessas folhas em branco que me parecem sempre a mesma, sem energia para escrever. E o que é um escritor que não escreve? Se não posso mais escrever, para que viver? Se eu escrevesse morte, assumiria ela a minha anulação, sem mais esperar?
Voltemos ao personagem do nosso interesse, o nosso escritor. É um escritor de enigmas a serem solucionados, e é através desses enigmas que ele espelha o caos do mundo, convertendo o risco do imaginário numa experiência estética, neste desdobramento do real em formas que o negam enquanto realidade. Parece-me ele recusar nos seus escritos o espírito e a matéria que são continuidades, e até o espaço. Negado este, que direito terá à continuidade que é o tempo? Concluo assim, com ele, que cada instante é autônomo, e o tempo pode ser representado pela escrita, abolindo este desafio que se propõe aos que escrevem: o de expressar o simultâneo da vida no sucessivo da escrita, negando o tempo que já foi e o que ainda não é; apresentando-nos um tempo presente autônomo e, portanto, uma linguagem de instantes autônomos. Daí que o tempo deixa de existir nas suas ficções. E o inferno ou não existe ou se acha em todo lugar.
Sim, Vitória, sei que fui, que sou, um autor sem leitores. Aqui estão os meus livros publicados por este pródigo Menggenlehre, pela sua editora Procusto. Enquanto escrevo os vejo enfileirados na estante: “A escória na fornalha”, “Um satiricon pós-moderno”, “O espelho no labirinto”, a cada publicação, edições mais reduzidas, menor o número de exemplares vendidos. O que é um escritor sem leitores? O que me resta, se não sei, se nada mais me é possível, senão escrever?
Que o futuro seja para ti mais generoso do que foi o passado comigo. E que alguém, tão atento quanto foste com o nosso autor, descubra os teus contos, poemas, e os romances que, por certo, escreverás, para que em breve devotem aos teus escritos a mesma dedicação com que te ocupas dos escritos dele.
Do teu Arthur.


De uma revista semanal: MORTE: O escritor Arthur Alvarado, aos 60 anos. Autor de “Personalida prismática” e mais seis romances, livros de contos e poemas. Viúvo da artista plástica Beatriz Viterbo, nada mais publicou desde a morte de sua mulher. Dia 7, suicidando-se com um tiro na cabeça, em Triunfo, perto de Porto Alegre,RS.

SOBRE POESIA

Gilberto Wallace Battilana

Vivemos um momento de uma superprodução e divulgação intelectual e científica, o que torna impossível a um homem comum manter-se medianamente informado a respeito do que acontece em todas as atividades humanas, como era possível na Renascença.
Então, por que acrescentar a esse incessante jorrar de idéias e informações, mais um texto que nada, ou muito pouco, vai acrescentar ao conhecimento da poesia? É evidente que por motivos pessoais, pelo mesmo impulso que me leva a desejar transmitir aos outros, através de meus poemas, a minha experiência de ser existente e pensante.
Não que considere ter um pensamento original a apresentar ou me proponha como criador de novas formas ou processos artísticos. Pretendo-me apenas uma testemunha do meu tempo e da sociedade em que vivo.
Aliás, concordo com a classificação de Ezra Pound, apontando os escritores e poetas como: inventores, mestres e diluidores. Aos primeiros cabe a tarefa de criar novas formas ou processos artísticos. Ao segundo grupo, a estratificação em modelos clássicos dessa nova forma de processo, e, aos últimos, a disseminação, a massificação dessas formas e processos. Enquadro-me, de maneira realística, nesta última categoria.
Definida a minha posição, quero começar dizendo que não é minha intenção nessa formulação de idéias sobre poesia enfocar aspectos temáticos ou formais, tais como os de estrutura, de métrica, de ritmo ou rima, nem dos elementos morfo-sintáticos e semânticos da função da linguagem aplicada à poesia, nem vir aqui discorrer sobre escolas ou estilos literários. Isso, melhor do que eu, fazem os professores de literatura.
Pretendo falar a respeito da minha experiência com a poesia, do meu fazer literário, das idéias adquiridas ao longo dos anos no trato com as palavras durante longas manhãs, tarde, noites, solitárias, desde quando a minha única companhia era a caneta e o papel até agora quando me defronto com o computador. Porque aqui quero lembrar que o fazer poético é, antes de tudo, um artesanato de solidão.
E falo das idéias que adquiri, concordando com Hegel na sua expressão contra o individualismo vaidoso, quando lembra que todas as manifestações intelectuais não são apenas produtos da razão consciente do indivíduo, nem pertencem apenas a uma época, mas são uma herança, um resultado, do pensamento de todas as gerações anteriores.
É esta reflexão sobre a linguagem como meio de expressão artística – que é o tema de alguns dos meus poemas – que me conduz ao exame da minha perplexidade frente à condição humana e da minha função enquanto ser social.
Se a criação poética é um ato solitário onde se sobrepõe a psicologia e a personalidade de quem escreve, não podemos ignorar que a arte é uma atividade social, porque feita para os outros, e inserida dentro de um complexo contexto político, econômico e ético. Mas o que faz a arte é a individualidade de quem a cria. Não que o poeta imponha a sua individualidade, ele a aceita, sem confundi-la com exceção. E insisto nessa idéia para reforçar a imagem do poeta como um homem que encontrou a expressão da sua individualidade no fazer literário, no artesanato poético. Assim como um arquiteto se propõe imaginar e criar no papel casas e edifícios, assim o poeta se propõe transmutar a sua imaginação em linguagem, transmitindo a experiência do que vê e vive.
Só que o poeta trabalha sobre si mesmo. É evidente que ele tem modelos estéticos e filosóficos. Mas no momento solitário da criação, é a minha experiência, o meu conhecimento, os meus sentimentos, a minha paixão, portanto, a minha individualidade que conta. O resto, o mundo exterior, embora integre o poema, fica suspenso na sua existência durante a elaboração, só quando acabado o poema é que volto a integrar-me nesta ambivalência estrutural na qual me consolido como ser social.
Nesta ambivalência que rege as relações humanas e onde a aparência, sob todas as suas formas, é o fundamento de múltiplas situações e atos sociais. O ato da leitura é uma prova disso. Na diversidade das intenções que nos reúne está evidenciado o jogo das aparências que a realidade em que vivemos nos exige. Apenas sós frente ao espelho da nossa consciência é que somos verdadeiros; é que nos permitimos atingir a sincera compreensão de quem somos. Pois, na poesia, o homem que é poeta não só realiza essa tentativa de busca da sua verdade interior, como a revela através do poema, oferecendo-a ao leitor que se propuser ler, desarmado de outras intenções que não sejam a da fruição de um prazer e a da possibilidade de um aprendizado do que o poeta retira do que tem de mais lúcido na sua consciência e de mais sensível no seu coração.
Para alcançar a poesia, para encontrar dentro de nós a capacidade de expressão através do poema, o primeiro passo é a libertação das convenções sociais, do temor do ridículo e da opinião alheia. A opinião alheia transformada em crítica só é válida para quem está aparelhado culturalmente para fazê-la, e deve interessar ao poeta somente depois do poema acabado, porque aí o poema já não é mais seu.
O ato de escrever um poema é um ritual em que só deve contar a vontade de manifestação do poeta. Essa voz interior que lhe mostra que lhe indica as imagens desse sonho que a lucidez transforma em palavras. E é através das palavras, da linguagem, instrumento que usamos para formalizar a poesia, que revelo a minha admiração, a minha perplexidade diante do mundo visível, real, mas sempre novo e desconhecido. E os atributos deste instrumento: a linguagem, são a complexidade, a ironia e o paradoxo.
A cada dia a vida nos oferece uma face diferente. E é dessa novidade, dessa diferenciação que passa despercebida de todos, menos dos olhos do poeta que sabe descobrir nas coisas já vistas e conhecidas o seu raro lado intocado, desse olhar em que o silêncio da contemplação se faz palavra, que nasce o poema. O poema é a anotação desse instante de perplexidade, desse espanto que intriga, surpreende e maravilha quando o descobrimos no que nos é familiar, no comum, no banal, a visão desse ângulo inédito, ambíguo, que faz a beleza, a verdade, a perfeição, parecer possível.
Mas a partir desse momento em que o silêncio da admiração se transforma em palavra, como procede o poeta? Para o leitor que recebe o poema pronto no livro, supõe-se que exista uma certa curiosidade de saber a maneira de agir do poeta na escritura do poema.
Para mim, não há uma regra. Ainda que o poema se apresente como um todo unitário, indivisível, ele é, na maioria das vezes, escrito de forma fragmentada. Faz-se a anotação de uma idéia, de um verso ou de uma estrofe num dia - raramente o poema vem integral, com todos os seus versos – a estes acrescentam-se outros algum tempo depois; encontra-se anotações anteriores adequadas para aquele poema que se está compondo e, assim, num trabalho de elaboração – através dos indefiníveis meandros do inconsciente e do entrelaçamento dessas partes aparentemente desconexas vai se formando um retábulo ou, se preferir, uma colcha de retalhos que, ao se apresentar aos olhos do leitor, mostra-se um todo harmonioso, conjugando idéia e forma como se tivesse sido escrito num só momento de inspiração. Esses vêm num jato de idéias e imagens que, por vezes, a mão não é ágil o suficiente para anotá-las, tal a profusão delas. Algumas perdem-se nesse atropelo e é necessário recuperá-las num esforço de reflexão até ajoujá-las ao verso.
A poesia é uma verdade que constitui o seu próprio testemunho. Uma verdade que busca o reconhecimento dos outros, todo texto é um pedido de leitura. Ela se revela num transe que é o poema ditado vivo à consciência. O poeta escreve até mesmo o que desconhece, descobrindo assim o poema, impelido a viver através do verso o que não encontra no universo visível, ultrapassando, de algum modo, as portas da percepção e da emoção comuns, como se uma luz interna iluminasse as cavernas de sua estrutura psicológica, conduzindo-o à convicção de uma paixão que o poeta reduz à palavras que revelam esse outro universo cuja existência é a do poema onde o leitor ao conseguir desvenda-lo e compreende-lo, alia-se ao poeta nesta fruição do prazer que nos causa a beleza da forma conjugada à revelação de um lado intocado de tudo o que existe e até do que, não existindo, passa a ter existência no poema.
“Por que se propõe alguém a escrever poesia?”
Foi William Auden quem encontrou a resposta que melhor se coaduna com a minha forma de pensar, diz ele:
“Se alguém a quem se fizer essa pergunta, responder : “Porque eu gosto de ficar junto às palavras, ouvindo o que elas dizem, então é possível que venha a tornar-se poeta”.
Eu me filio à corrente que adota a poética que busca a natureza específica e o valor da poesia na maneira como são dispostas as palavras para expressar as emoções, e no modo pelo qual a realidade é analisada pelas virtualidades da linguagem. Nesta corrente de pensamento que propõe que o poema antes de ser um ente ético, tem de ser estético, e, antes de ser moral, tem de ser bem escrito.
Pope nos diz que o poema bem escrito é a expressão do que foi freqüentemente pensado, mas nunca tão bem expresso. Daí se poderia supor que o poema seria só a sua forma de expressão? Eu penso que o poema se faz de uma simbiose entre o conhecimento da expressão e a força da paixão. Porque a poesia é uma maneira de dizer as coisas que não podem ser ditas de outro modo. O poeta busca, em cada poema, expressar a totalidade da sua compreensão do que vê com a lucidez da sua imaginação. Essa compreensão emana de uma interioridade absoluta onde nós, os que escrevemos, apostamos, em cada poema, o tudo e o nada. O que está escrito em qualquer um dos meus poemas se torna verdade. A minha verdade à procura de uma confluência com a verdade do leitor. Mesmo quando na compreensão do leitor o poema atinge outro sentido, outra significação.
Jean-Arthur Rimbaud respondendo a uma pergunta a respeito do que queria dizer com determinado poema, parece-me ter deixado bem clara essa questão ao explicar : “Eu quis dizer o que está nele, literalmente, e em todos os outros sentidos”.
O poema é algo que arrancamos de dentro de nós mesmos, do nosso passado, das nossas experiências, das nossas leituras, da nossa imaginação, e que, por vezes, não conseguimos avaliar em toda a sua extensão. Por isso o entregamos aos outros, ao leitor, ao crítico, que, muitas vezes, na sua análise do poema nos revela, nessa pluralidade de entendimentos, um sentido que desconhecemos.
Mas essa totalidade expressa em cada poema não é definitiva e, portanto, é verdadeira para aquele momento, para aquele poema. Se há algo que a poesia nos ensina é a nossa efemeridade que todo aquele que deixa a sua marca através da arte tenta conjurar. O que aspiramos, os que nos dedicamos a qualquer forma de arte, ao assinarmos a obra que criamos é vencer o esquecimento a que a morte nos condena, através de um nome, de uma identificação que desejamos perdure além da nossa existência, sabendo que ela nos é acessória, que nos ultrapassa.
E aí, nesse paradoxo de uma arte que é paixão de uma perfeição irrealizável, reside a ironia de que todo aquele que se dedica à poesia não se pode despir. É com esta paradoxal posição entre a paixão da mão que escreve e a ironia do olhar que examina que se deve armar o poeta na composição do poema.
Encarando o drama da sua própria existência efêmera com a olhada irônica sobre o que o cotidiano nos oferece, o poeta, ao conseguir alcançar a plenitude da sua composição entre estilo e paixão, vence as complexidades e contradições da sua experiência, estabelecendo um jogo de significados através dos quais atinge a sua expressão final: o poema. A ironia e o paradoxo constituem recursos para considerar as atitudes que ameaçam as assumidas pelo poeta no seu poema.
Não deve o poeta procurar fazer do poema apenas a afirmação de uma verdade, e já é muito, também a expressão, através da beleza da forma, da inquietação que cerca cada ser humano, com suas incertezas e dúvidas frente ao mistério da vida, na tentativa de descoberta de sua identidade pessoal. O poema procura ser a afirmação de um conhecimento que está destinado a ficar incompleto, pois se assim não fosse não haveria o próximo poema que resulta de uma nova tentativa de encontrar a resposta para essa indagação, como escrevi num poema, “da dualidade de uma consciência sonhadora e um coração real”, isto é, entre o sentimento da imortalidade que cada homem abriga em si e da certeza da nossa extinção enquanto ser existente.

ÍNDICE



Gilberto Wallace Battilana

O poema da página tal
descreve uma paixão.
O da seguinte,
o terror de ser mortal.
Noutro faço um jogo
com a sedução das palavras,
nesse a poesia não lavra.
Nenhum, por mais que os pinte,
me faz feliz ou é o que eu quis.
E as traças do descontentamento
roem a forma, a paixão, os poemas,o papel...
O que lês é um espelho infiel
do que no pensamento roça no infinito
sem se alçar no escrito.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O SAPO


Gilberto Wallace Battilana


Fosse um sapo,
qual seria a minha visão do mundo,
um horizonte de charcos e gafanhotos
ou sonharão os sapos?
Fosse um sapo,
teria a paixão pela palavra
ou viveria sem mágoa
aos saltos em poças d´ água?
Fosse um sapo,
passsava a noite a coaxar,
não me despertaria a vontade de me matar.
Fosse um sapo,
esticaria a minha pele aos elementos,
em vez de escrever poemas para o esquecimento.
Ah, Manuel, fosse um sapo,
não saberia que meu pai não foi rei
e que morrerei.

NÃO POSSO MORRER HOJE

Não posso morrer hoje,
tenho compromissos a que não posso faltar,
remédios a engolir,
livros para comprar.
Preciso correr no Parque,
quarenta minutos,
me fez a prédica a médica.
Tenho hora marcada com o dentista,
o cardiologista,
o que mais, onde botei a lista?
O eu dia está cheio,
e a minha vida, espero, pelo meio.
A refeição está combinada,
almoço camarão com aipim,
que a amada vai fazer pra mim.
E um Andanza Reserva 89
que assim o mundo se move.
Depois do almoço
não venham à minha casa,
é hora de eu criar asas
fazendo amor,
depois, um panatela e um vinho do Porto,
que não estou morto.
Não, não posso morrer hoje,
nem pensem nisso,
morram os que não tem o compromisso
de escrever mais um poema
ou ir ao cinema

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A DIFÍCIL ARTE


A soberba humildade

de, em silêncio,

lutar com o pensamento

para contê-lo no poema.

E, quando a palavra chama,

para forjar e refundir na frágil flama,

que logo se apaga,

o aço puro da poesia,

dela fazer uma ardente adaga

para cortar, queimar, ferir,

com a idéia que inflama,

o papel, o mundo...

E da chaga dessa ferida

fazer brotar a vida.

O último poema de abril

A mais intensa e ávida vida
acaba em recordações.
E como é difícil manter a compostura,
não a das gravatas, a moral.
Estendo a mão em busca da tua
e encontro só a ausência,
fugidia sombra num espelho.
Sim, tinhas razão, éramos jovens,
mal sabíamos desses poemas vividos em abril
e esquecidos em agosto.
E a tarde passa com seu camafeu de rubi e esmeralda,
poente que jamais esquecerei.
O único poema que não soube escrever
foi o da minha vida.
Garçom,mais uma taça de vinho


terça-feira, 25 de novembro de 2008

MAGIA DA COMPOSIÇÃO

A confusão dessas imagens incessantes

a que a razão dá uma clareza pulsante,

assim como após a maré cheia vem a vazante,

e podemos encontrar na areia

tudo o que o mar da imaginação abandona ao pensamento

em sucessivas ondas, a cada momento,

conchas e estrelas, versos e fragmentos

de um discurso amoroso ou de um método,

ou a idéia de um poema no seu todo,

ainda que as cinzas das palavras obscureçam

a fosforescência das imagens

ou nos entonteçam com a fogosidade de ondas selvagens,

dando brilho com a luz da lua fria de um estilo escorreito

à opacidade dessas miragens de que o poeta é objeto e sujeito.

E a imagem, ao encontrar o seu sentido,

desaparece no pensamento como a água na areia.

O resto reflui, perdido, ao mar,

ao qual já não se deve escutar,

incessante canto de sereia.

Só o que importa, agora, é trabalhar o que ficou na areia,

e com este material levantar o castelo do poema,

edificando, com a despreocupação de uma criança,

fonema a fonema,

mas com o conhecimento do arquiteto,

para não afundar os alicerces, nem elevar demais o teto.

Fixando cada canto, cada contorno,

com o cuidado de um marceneiro que trabalha no seu torno

a madeira de um navio para uma viagem sem retorno.

O poeta, no poema, dele mesmo esquece,

assim a criança no seu castelo de areia não vê que escurece

e, em torno deles, a noite e a morte se tecem.

ESCREVER SOBRE ESCREVER

“É espantoso que as pessoas não tenham encontrado uma linguagem para expressar a sua ignorância”. Witold Gombrowicz

Escrevo sobre o que não sei. Ao escrever, o que pretendo é arrancar-me da dúvida, da perplexidade, não para chegar a alguma resposta – não acredito em respostas –, mas para preencher o vazio da vida com palavras. Não escrevo para os que têm certezas, antes para os perplexos, para os que, como eu, só sabem perguntar, assumindo suas contradições no abismo dessa perplexidade, mas sem medo. A perplexidade é a forma mais aguda do pensamento; a reflexão, a mais passiva.

Todo escritor tem a vontade de escrever sobre escrever. Tratar da sua relação com as palavras. Segundo Jean Ricardou, mais que contar aventuras, o que há a fazer é contar a aventura de contar. Será necessário reflexionar sobre um instrumento para fazer dele? Sopesará um médico o bisturi, perguntando-se quantos gramas pesará, quanto mede a lâmina, ou usa-o instintivamente, de acordo com a necessidade da cirurgia, movido pela experiência que a sua formação e a prática lhe conferiram? Este escrever sobre escrever não será uma forma de demonstrar a impossibilidade de fazê-lo?

Como não tenho certeza de nada, jogo com estas palavras fazendo do meu pensamento uma montanha – se preferirem, uma salada – russa. O simples relatar já impede que o texto se feche à interpretação do leitor, além do que apresenta. Ao escrever um texto, este texto, estou pondo à provao meu conhecimento, a minha capacidade de compreensão e expressão, o meu entendimento do mundo e, afinal, a mim mesmo. Disponho o que penso saber, buscando o que pretendo descobrir, e descobrindo que sei, enquanto escrevo, instauro um novo conhecimento sobre o que narro ou descrevo. Quem escreve, se não escreve a si mesmo em cada parágrafo, poderá ser um autor, não um escritor. E, acreditem-me, há mais autores que escritores. Aqui faço uma bifurcação nesta diferença já anotada por Affonso Romano de Sant´Anna. Um acadêmico – sem nenhuma conotação pejorativa, por favor –, por certo discordará. Para ele é a razão, disciplinadora, que deve conduzir, por caminhos previamente traçados e delimitados, a emoção, afastando-a da deletéria imaginação. Que não ouse intrometer-se a imaginação nesse percurso simétrico e sem percalços. Mas escrever é descobrir, descobrindo-se. Não deve ser inteiramente planejado sob pena de perder o viço. É o improviso que torna vivo um texto. Ao deparar-se, enquanto escreve, com algo novo, algo que o surpreende na sua trama, é que o escritor surpreende o leitor. A imaginação, ao contrário da natureza, dá saltos. Quem se propõe a sofrear a sua imaginação, domando-a, conduzindo-a, em vez de se deixar levar por ela, não é um escritor, é um burocrata da palavra. Eu prefiro que a minha imaginação me assuste, me transporte em seu lombo por caminhos desconhecidos, que nem pensava percorrer. Como escreveu Ernest Junger, em outro contexto: Não fracassamos por culpa dos nossos sonhos, mas por não sonharmos com suficiente intensidade.

Permitam-me, numa breve interpolação, dar um exemplo da imaginação agindo sobre a emoção e a necessidade de escrever : Walter Scott caçava quando a imaginação lhe sobrepõe à ação uma cena de um romance que escrevia. Esquece a presa que perseguia e, abatendo um corvo, arranca uma pena, faz uma ponta, mergulha-a no sangue da ave e, caçando a cena, escreve-a num pedaço de camisa que rasgou para tal fim. Eis a imaginação conduzindo a emoção e a ação. Eis o escritor.

Toda obra de um artista é forjada pela imaginação numa reação às suas circunstâncias.


Gilberto Wallace Battilana

AO LEITOR


Com o idealismo de um poeta e a objetividade de quem deseja, através de uma voz uníssona – plural, multívoca, a de todos os que se engajarem em participar deste blog – é que nos lançamos, com a disposição de encontrar colaboradores das mais diversas origens, respeitando, sem necessariamente endossá-las, as opiniões e formas de expressão de cada um. Nestas páginas pretendemos agregar as solidões literárias anônimas, dispersas propondo uma confluência, um continente de idéias.

Convido a cada um a achegar a sua contribuição traduzida em comentário, poema, conto, artigo, crítica, ensaio, neste espaço para exame e discussão das mais variadas manifestações.

Será alvo também deste blog os acontecimentos literários que suscitem indagações e debates de interesse de escritores – sem eles não haveria razão para a existência deste blog – e também dos leitores, esses interessados em literatura que não escrevem, mas permanecem atentos aos eventos culturais.

Livros, disse um escritor alemão, são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas. É isso que pretendo seja este blog, uma carta dirigida a amigos, ainda que distantes e desconhecidos.

Gilberto Wallace Battilana