terça-feira, 25 de novembro de 2008

ESCREVER SOBRE ESCREVER

“É espantoso que as pessoas não tenham encontrado uma linguagem para expressar a sua ignorância”. Witold Gombrowicz

Escrevo sobre o que não sei. Ao escrever, o que pretendo é arrancar-me da dúvida, da perplexidade, não para chegar a alguma resposta – não acredito em respostas –, mas para preencher o vazio da vida com palavras. Não escrevo para os que têm certezas, antes para os perplexos, para os que, como eu, só sabem perguntar, assumindo suas contradições no abismo dessa perplexidade, mas sem medo. A perplexidade é a forma mais aguda do pensamento; a reflexão, a mais passiva.

Todo escritor tem a vontade de escrever sobre escrever. Tratar da sua relação com as palavras. Segundo Jean Ricardou, mais que contar aventuras, o que há a fazer é contar a aventura de contar. Será necessário reflexionar sobre um instrumento para fazer dele? Sopesará um médico o bisturi, perguntando-se quantos gramas pesará, quanto mede a lâmina, ou usa-o instintivamente, de acordo com a necessidade da cirurgia, movido pela experiência que a sua formação e a prática lhe conferiram? Este escrever sobre escrever não será uma forma de demonstrar a impossibilidade de fazê-lo?

Como não tenho certeza de nada, jogo com estas palavras fazendo do meu pensamento uma montanha – se preferirem, uma salada – russa. O simples relatar já impede que o texto se feche à interpretação do leitor, além do que apresenta. Ao escrever um texto, este texto, estou pondo à provao meu conhecimento, a minha capacidade de compreensão e expressão, o meu entendimento do mundo e, afinal, a mim mesmo. Disponho o que penso saber, buscando o que pretendo descobrir, e descobrindo que sei, enquanto escrevo, instauro um novo conhecimento sobre o que narro ou descrevo. Quem escreve, se não escreve a si mesmo em cada parágrafo, poderá ser um autor, não um escritor. E, acreditem-me, há mais autores que escritores. Aqui faço uma bifurcação nesta diferença já anotada por Affonso Romano de Sant´Anna. Um acadêmico – sem nenhuma conotação pejorativa, por favor –, por certo discordará. Para ele é a razão, disciplinadora, que deve conduzir, por caminhos previamente traçados e delimitados, a emoção, afastando-a da deletéria imaginação. Que não ouse intrometer-se a imaginação nesse percurso simétrico e sem percalços. Mas escrever é descobrir, descobrindo-se. Não deve ser inteiramente planejado sob pena de perder o viço. É o improviso que torna vivo um texto. Ao deparar-se, enquanto escreve, com algo novo, algo que o surpreende na sua trama, é que o escritor surpreende o leitor. A imaginação, ao contrário da natureza, dá saltos. Quem se propõe a sofrear a sua imaginação, domando-a, conduzindo-a, em vez de se deixar levar por ela, não é um escritor, é um burocrata da palavra. Eu prefiro que a minha imaginação me assuste, me transporte em seu lombo por caminhos desconhecidos, que nem pensava percorrer. Como escreveu Ernest Junger, em outro contexto: Não fracassamos por culpa dos nossos sonhos, mas por não sonharmos com suficiente intensidade.

Permitam-me, numa breve interpolação, dar um exemplo da imaginação agindo sobre a emoção e a necessidade de escrever : Walter Scott caçava quando a imaginação lhe sobrepõe à ação uma cena de um romance que escrevia. Esquece a presa que perseguia e, abatendo um corvo, arranca uma pena, faz uma ponta, mergulha-a no sangue da ave e, caçando a cena, escreve-a num pedaço de camisa que rasgou para tal fim. Eis a imaginação conduzindo a emoção e a ação. Eis o escritor.

Toda obra de um artista é forjada pela imaginação numa reação às suas circunstâncias.


Gilberto Wallace Battilana

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