segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

POEMA NEURO(TICO)LÓGICO

POEMA NEURO(TICO)LÓGICO
poema de Gilberto Wallace Battilana

A plasticidade dos meus neurônios do hemisfério
esquerdo, aliada, por um sortilégio, à interconexão
entre a região occípito temporal ventral esquerda
e as várias áreas, mesmo distantes, processadoras em paralelo,
me propõem esse balé com palavras significantes,
imagens abstratas, formas variantes.
Ora, dirás, ler metáforas, por certo estás louco,
e a minha arquitetura neuronal levanta-se como uma catedral
buscando formas cada vez mais raras e essenciais
em todos os sinais, signos, ícones, símbolos, índices,
avança por ramais de mensagens subliminares,
num complexo composicional exercício semiótico.
É lutando para compreender o mundo e o céu azul
que o poeta, tríade humana, se faz neurótico
para transcender até chegar ao que é
em cada poema, feixe de traços distintivos
registrados numa tomografia computadorizada.
Não quero mais o lápis, não mais o papel,
quero a ressonância magnética, que a poesia
em vez de escrita, seja uma figura espectroscópica.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

CONCURSOS

poema de Gilberto Wallace Battilana

Convidados a exibir-nos em concursos,
como nos circos são mostrados os ursos
amestrados, fazemos das palavras piruetas,
tais palhaços a mostrar caricatas caretas.
Vejamo meu ornamental salto métrico,
minhas reticências, o meu hemistíquio estético.
E aqui, a minha acrobacia rítmica,
o globo da morte metafórico, minha força anímica.
A platéia aplaude. Acendem-se as luzes pretas,
aparece no palco o prestidigitador e faz uma mesura
mágica, criando um encadeamento de borboletas
que voejam pelas jubas dos leões na jaula hermética,
onde o domador se isola como numa cesura
no soneto, espetáculo malabarístico da poetica.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

EFÊMERO

Quando penso que esta mesa,
esses livros, me sobreviverão,
que essas coisas efêmeras
alcançarão uma duração maior
que a minha existência,
constato a minha verdadeira dimensão.
Sei, há a eternidade,
mas sou mais um, entre tantos,
subjugados pela mortalidade,
buscando a beleza de uma verdade
na fantasia de cada dia.

DE QUE VALE

poema de Gilberto Wallace Battilana

De que vale um coração
se não pulsa por amor.
De que vale estar desperto,
se está frio, está deserto.
De que vale estar atento
a cada pensamento,
se não pulsa com amor,
se está pálido, incolor,
dentro do corpo, fútil,
como numa casa escura
um velho móvel inútil?

GÁS CARBÔNICO

poema de Gilberto Wallace Battilana

Queria tanto recordar meus sonhos.
Acordo, e só o vazio me acolhe.
Se recordasse meus sonhos, suponho,
seria mais feliz. Reponho os óculos
sobre o nariz e sigo o poema que ainda não fiz.
A minha vida é despida de qualquer fantasia.
Só tenho a mim e ao dia,
seus relógios e jornais,
e nada mais.
O poema é o meu protesto,
único manifesto que me permite o mundo,
cartaz que levanto solitário
frente ao tumulto que me afoga em gás carbônico
entre homens que o tempo apressa, catatônicos.
Em cada verso invento um sentido,
assim alcanço a percepção do meu limite,
os fatos existenciais não acontecem,
e a minha vida desaparece,
só as persistentes palavras permanecem
acesas, avançando pela noite do futuro,
paisagens de uma arquitetura a se fazer.
Como nomear o não visto, o só pensado?
A poesia nem liga para o obscuro,
continua, única e eterna.
Não a minha, ou a tua, mas a de uma corrente
permanente que enlaça o tempo, o espaço,
o pensamento, na mesma centelha de um invento.
Por mais que me ataquem as intempéries violentas
da vida, matenho-me de pé contra a tormenta.
Nem todos lembram a senha do Abre-te Sésamo da poesia,
é necessário repeti-la dia a dia e lutar com palavras e sonhos
nas longas jornadas das noites, só com a luz dos nosso olhos,
de sombra em sombra.



terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

UM AMOR ACABADO

poema de Gilberto Wallace Battilana

Por que não acabará o nosso amor
se até as estrelas desaparecem do universo?
E da nada adiantarão os meus versos
quando partires. Mas seja para onde for
que vás, ficará gravada a tua lembrança
no mapa da memória do meu coração,
nele sinalizada a felicidade que não se alcança.
Assim pensava eu antes da realidade da separação.
Mas a vida continua, confusa e sempre renovada,
ainda que, como pombas se vão as amadas.
O amor não tem o rigor de uma verdade, é relativo,
nem assim desistirei de amar enquanto vivo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ELEGIA

poema de Gilberto Wallace Battilana

Não se repetirão as nossas noites.
Deitado na escuridão lembro cada contorno
do teu corpo e tua respiração, leve e breve.
Teus cabelos, onda revolta e negra
onde sufocava o meu rosto no prazer,
se levanta na minha lembrança
afastando toda a esperança
de que eu ainda possa ser feliz.
O teu nariz, desenho do mais perfeito perfil.
Tua boca, fruto de mutante sabor
provado pelo meu amor.
O que amei, amo, em ti e foi meu,
não sei em que momento se perdeu,
recrudesce sua dor nesta noite fria
em que me abrigo na solidão, no uísque e na elegia.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

UMA VISÃO DO POEMA

Poema de gilberto wallace battilana

Contemplo o poema, enfeitiçado momento desvendado
que permanece obscuro mesmo depois de revelado.
Contemplo suas palavras, seus versos, à minha frente,
que nascem de mim sem que conheça a vertente.
Paciente de um profundo processo inconsciente,
acompanho a minha mão no seu anotar intermitente,
artesã que não descansa antes de pensá-lo acabado.
Então, já não é meu, como se nunca o tivesse tocado.
Assim, a navgar na sombra desta corrente,
não por curiosidade ou dúvida impermanente,
mas com a certeza iminente de que o verso abandonado
será esquecido como coisa sem valor, inconsequente,
persisto na armação deste quebra-cabeças intrincado
que a morte assiste,imperturbável, a meu lado.