quarta-feira, 24 de junho de 2015

A SINGELEZA DE UMA PERGUNTA
E A COMPLEXIDADE DE UMA RESPOSTA
Gilberto Wallace Battilana



A SINGELEZA DE UMA PERGUNTA
E A COMPLEXIDADE DE UMA RESPOSTA
Gilberto Wallace Battilana
A singeleza de um questionamento de uma querida amiga ao me propor que eu defina o que é Poesia e como escrevo os meus poemas, me conduz à complexidade de uma tentativa de resposta. 
A indagação sobre a natureza da Poesia se prolonga no mundo ocidental, em documentos que se tem conhecimento, há mais de dois mil anos, e continua hoje. Muitos já tentaram uma resposta para essa pergunta, cada qual à sua maneira, pois além de ser um fenômeno complexo, a poesia tem mil faces, cada época vestindo-lhe uma nova máscara.
Ao escrever elaboramos uma rede de significados. Escrever poesia é, portanto, estabelecer relacionamentos significativos entre as palavras, correlações simbólicas - e o sentido do que elas expressam, calcado em um código de linguagem para comunicar intenções, buscando entendimento.
O poema surge de uma seleção de dados que o mundo nos oferece, um sentimento, uma imagem, uma palavra ouvida ou lida, um acontecimento, uma paisagem, uma lembrança, uma pessoa, enfim... as variáveis são inumeráveis. Após escolher qual elegemos como tema, procuramos integrá-la numa ideia, configurando-a através da expressividade das palavras, porque não podemos esquecer: um poema só se resolve através da linguagem. Escrever é construir, é elaborar com habilidade as palavras, de tal forma que com elas plasmamos sentimentos que pretendemos sejam os do leitor, ou que os sinta, compreenda e os interprete como dele. Essa a pretensão do poeta ao elaborar o poema, o de atingir uma compreensão, um sentido, universal. E é o ensinamento de Heidegger: "através da compreensão atingimos o sentido; através da interpretação alcançamos o significado". Para exemplificar, uma rosa na roseira, num jardim, tem um sentido; na mão de um apaixonado que a entrega para a sua amada tem um significado.
A poesia depende da expressividade da escrita, se faz de palavras. Um poema é um objeto artístico da linguagem. De um texto em prosa se exige coerência, coesão; uma progressão de ideias com uma certa lógica através de uma vinculação, de um relacionamento sintático, semântico. Devemos exigir o mesmo de um poema? A ambiguidade é condenada na prosa e não só aceita, mas elogiada no poema, alguns dizem o mesmo relacionado à metáfora.
Criar é descobrir, constituir, formar, organizar. Eu poderia desfiar mais uma dezena de verbos na tentativa de definir a epifania da composição de um poema e, ainda assim, não configuraria o pretendido nesse despertar da nossa consciência para o estranhável que descobrimos no comum do nosso cotidiano, signos antes desentranháveis. 
Com esses signos produzimos, damos existência, ao poema. É essa desentranhada forma que trazemos para a realidade que as palavras traduzem, que faz o antes invisível, inexistente porque inominado, adquirir existência através dessa interligação produzida pelo poeta que, logo, a alcança ao leitor, numa intimidade psicológica, num sentimento de identidade, numa ilusão fundamental para a integridade da sua consciência, da sua existência; a nossa identidade é posta em questão, interrogada. Aquele "eu é outro" de Rimbaud adquire significação. 
O poema é uma ruptura com a realidade. A superfície inocente das palavras sobre o fundo turbulento da ambiguidade e das metáforas extraídas do cotidiano que nos levam a descobrir, por vezes, o não visto, o desconhecido, aquilo pelo que que os outros passam sem saber expressar. No poema, ao retratarmos um vaso, uma paisagem, uma mulher, deixam de ser o que a realidade os faz para se transformarem nas palavras que escrevemos e com as quais criamos outras, novas, existências que já não mais aquelas a que nos referimos. Aqui, lembro-me de uma senhora que depois de olhar uma tela de Matisse, "O torso de gesso", disse ao pintor: "Nunca vi uma mulher de barriga verde". Ao que Matisse respondeu: "Minha senhora, isso não é uma mulher, é uma pintura". A analogia pode ser traçada para o poema.
Escrever Poesia é um ato intelectivo de apreensão interpretativa da realidade, do mundo. Um poema bem estruturado tem a consistência de um diamante, ao contrário de anotações sentimentais e sensações pessoais que nos são apresentadas, por vezes, como poemas, sem alcançar a dimensão humanística transcendente que a poesia exige. Na minha opinião a poesia não é um dom que nos é ofertado, mas a construção de uma vontade laboriosa, um aprendizado em que cada poema escrito é mais uma lição aprendida.
Um poema, nos diz Lawrence Durrel, é o que sucede quando uma ansiedade encontra uma técnica.
O que é a Poesia? Tenho para essa pergunta a mesma reflexão de Agostinho de Hipona para a pergunta: o que é o tempo? "Se ninguém me pergunta, diz o bispo de Hipona, eu sei;se o quiser explicar para quem me fizer a pergunta já não sei mais". Assim acontece comigo. Ainda que existam incontáveis definições da poesia, nenhuma me parece suficiente para que eu a reproduza aqui. Há um epigrama de Jean Cocteau que sempre refiro quando se pretende conceituar poesia. Escreveu Cocteau: "A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê...", com esse epigrama me parece caracterizar ele bem a necessidade que sentimos da poesia, ao mesmo tempo que nos mostra a inutilidade dela no sentido utilitário da época consumista em que vivemos.
Há, também um diálogo num episódio de um dos filmes dos Irmãos Marx que me faz pensar na poesia como num tesouro que precisamos inventar para descobrir. Groucho diz: "Descobriremos um tesouro na casa ao lado". "Mas não há nenhuma casa ao lado da nossa", responde um de seus irmãos". "Então, construiremos uma". É isso, para descobrir o tesouro da poesia é necessário inventar a construção do poema. A poesia a descobriremos no poema, para isso precisamos escrevê-lo. Somos nós os responsáveis por colocar o tesouro na casa que edificamos, se o queremos descobrir.
Para finalizar, permita-me uma citação de Bashô para expressar o que sinto ao escrever tentando encontrar uma definição para Poesia. Disse Bashô para um de seus discípulos: "Passei a vida explicando coisas que nunca cheguei a compreender". Como assim? perguntou-lhe o discípulo, como podes explicar o que não chegaste a compreender?" Replicou Bashô: "Queres que te explique isso também?"



POEMAS REUNIDOS

POEMAS REUNIDOS
poema de Gilberto Wallace Battilana

Este blog de poemas reunidos
em que as palavras se perdem de seu sentido,
por mais que o que se queira dizer seja pressentido
num acordar sussurrante de errantes riscos no papel,
prosseguindo, sem saber o caminho
entre lembranças tristes, alegres, e copos de vinho.
Escrever é o que há de mais sensível,
basta um hesitar distraído para perder,
mesmo continuando o que estava a ser feito,
já não alcançará o mesmo efeito.
É um navegar nas águas do mesmo mar,
ignorando até onde se vai nessa corrente impermanente e singular.
ESTE AMOR
Gilberto Wallace Battilana

Amo teus seios,
Tua boca amarga,
Teus olhos cansados,
Teu ventre conhecido,
Teu sexo experiente,
E esse nosso sonho vago
Que, por vezes, me faz demente.
Amo o que – quando? onde?,
(O tempo aqui não faz sentido) --
Em ti descobri aquilo
Que em nenhuma outra mulher vi.
Amo a tua voz, o som do teu riso,
A forma como me abraças,
O som do teu vestido,
Amo até mesmo as taças
Beijadas por teu lábios.
Ah, fosse eu mais sábio
Para descrever com o rigor
Que exige a poesia este amor.